quinta-feira, 15 de outubro de 2009

FUTEBOL

Futebol não é espetáculo. Se fosse, não existiria retranca e nem estaria focado nos resultados. Uma ópera, um concerto, um filme são espetáculos. Futebol é conflito, exercido dentro de regras rigorosas, que a toda hora são transgredidas, porque somos vocacionados para o confronto e não tem apito que segure. É uma representação da guerra: 22 pessoas se enfrentam para ver quem ganha, multidões carregam bandeiras e cantam hinos épicos. A torcida é a população civil, exposta à metralha e ao bombardeio, enquanto os 22 jogadores são as Forças Armadas. Há ainda os cartolas, que são os estrategistas, e a crônica esportiva, que são os correspondentes de guerra.

É natural que um correspondente no front tome partido. Era assim a cobertura de futebol antigamente. Depois inventaram a isenção, rompida a toda hora, quando o narrador é brasileiro num jogo da seleção, paulista num jogo contra alguém de fora do seu estado , carioca quando acha que o futebol brasileiro só se justifica num Flaflu (no Maraca). O que não dá para suportar é ver os comentaristas lamentando (em vez de reportar direito, sem falsos espantos) as brigas dentro e fora do campo, como se isso fosse algo que não pertencesse ao futebol. Assumem os interesses da corporações que os sustentam, pois as emissoras apostam no espetáculo, enfoque exigido pela publicidade, quando há simplemente porrada - e as mortes na saída dos jogos não me deixam mentir.

No jogo deste domingo, entre Corinthians e Avaí, no Pacaembu, o tempo fechou dentro de campo. O Timão queria colocar a mão na taça sem deixar que o adversário carimbasse a faixa. E o Avaí, depois de 30 anos de jejum na série A, queria mostrar que está à altura para participar da primeira divisão nacional. O futebol assim mostrou a cara e a guerra emergiu sem piedade. Mão na fuça doutro, carrinho criminoso, socos, pontapés, xingamentos: quem disse que esse jogo é como uma peça de teatro ou um festejo de fogos de artifício?

Há necessidade de brigar. As torcidas organizadas, que se atiram no alambrado, invadem cidades com rojões e armas, com uniformes que são suas fardas, agrupadas em divisões de combate que atacam os inimigos nas arquibancadas, tudo isso é a vontade que as pessoas tem de eliminar os semelhantes. Inventaram o futebol para dar um pouco de vazão a esse espírito guerreiro, que toma conta da pessoa desde a infância, chega ao auge na juventude e, na decrepitude, se recolhe em autores de massacres, facínoras encastelados nos poderes.

Não gostamos uns dos outros, queremos acabar com a raça dos contemporâneos. Há sempre um motivo para as coisas degringolarem. Olhar atravessado, dizer algo que o outro não entendeu, contato físico não intencional, qualquer detalhe pode desencadear uma saraivada de golpes. A todo momento, há brigas na saída de boates, festas e bailes. Seguranças enfrentam garotos. Não falo da violência dos assaltos, mas dos mal entendidos. Da sede de sangue que há em cada minuto, o que deixa toda a cultura humanista falando sozinha.

O futebol lida com essas coisas. Falam que os europeus são uns fofos e aplaudem as jogadas, mas isso acontece depois que eles promoveram várias mortandades nos estádios. A polícia foi em cima e começou a prender os autores dos crimes, aí houve mais equilíbrio. Mas não tem como negar uma série de evidências que o futebol oferece. Como a celebração do gol com gestos de brutalidade, como socos no ar, movimentos fortes de punhos fechados. Como o violento agarra-agarra dentro da área (quando o olhar do árbitro sofre com a confusão). Como o cotovelaço no rosto no canto do gramado. E assim por diante.


Digo isso porque estou cansado dessa coisa hipócrita que virou lei e que assevera ser o futebbol um grande espetáculo. Se o adversário joga o fino e faz um saco de glols no meu time eu vou amaldiçoá-lo até a quinta geração. Não existe nada mais cruel do que vibrar com a desgraça alheia, e é isso o que acontece no futebol. Quando vencemos, enxovalhamos o inimigo. É risível os gestos de agradecimento ao Alto que os jogadores fazem depois de um lance bem sucedido, como se Deus tomasse partido.

Ou será que toma? É possível. Jamais permitiu, por exemplo, que o E.C Uruguaiana participasse de um campeonato estadual da primeira divisão. Em compensação, colocou na história do nosso time o maior goleiro de todos os tempos, Eurico Lara, o Craque Imortal (segundo está eternizado por Lupiscínio Rodrigues no hino do Grêmio). Essa é a sina do glorioso auri-negro: ser lenda sem jamais ter sido campeão estadual.

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